As
vagas continuavam a rebentar. Arthan, sentado sob o grande carvalho tentava
digerir o facto de ter chegado demasiado tarde. Levantou-se, fechou o círculo
de meditação que desenhara e agradeceu ao velho carvalho tê-lo acolhido sob os
seus ramos protectores e sábios.
Chamou
o seu companheiro de viagem, o único verdadeiro amigo que lhe restara agora que
Eilir se perdera no mar.
-
Vem fiel amigo! Infelizmente seremos apenas dois na viagem de regresso. –
Cormac deitara-se na depressão da vegetação onde Eilir dormira. Farejara o seu
rasto e obrigara Arthan a segui-lo tão velozmente quanto a sua condição humana
lhe permitia.
O
cachorro não atendeu ao pedido do dono, continuou imóvel, farejando as ervas em
redor, e à sua maneira, percebia-se que sofria. Arthan sentara-se então ao seu
lado, e pela primeira vez na sua vida permitira-se chorar. Não chorou quando
perdera a sua mãe aos cinco anos, apenas um rapazinho, tinha Eilir ao seu lado.
Nem aos dez anos, quando o seu pai o abandonou para ir viver para o outro lado
do país com a segunda mulher, permitiu que as lágrimas o visitassem. Tinha
Eilir ao seu lado! Toda a sua vida teve Eilir ao seu lado. A melhor amiga que
alguém poderia ter. A criatura mais bondosa, terna e ao mesmo tempo
aventureira, que partilhava com ele o mesmo amor pelas árvores e o seu
conhecimento. Que partilhara com ele as suas aulas de Natureza, de Geografia,
enquanto os seus colegas rapazes apenas aprendiam a esgrimir e as amigas
raparigas de Eilir aprendiam a cozinhar e costurar. Sempre se consideraram uns
afortunados por lhes ter sido permitido estudar. Nunca perceberam o porquê de
lhes ter sido permitido crescer de maneira diferentes das outras crianças. Após
a primeira recusa dos seus tutores em lhes dar uma justificação, decidiram que
simplesmente gozariam da boa sorte que lhes tinha sido dada e sentiram-se
abençoados.
Agora
Eilir partira! A imagem de a ver afogar-se nunca desapareceria da sua memória.
Perdera a sua melhor amiga sem poder fazer nada para a salvar. E culpava-se de
não ter insistido mais com ela quando a tentara ensinar a nadar. Como podia ele
ser rei? Como podia ele acreditar que estava destinado a salvar o seu povo se
não conseguira salvar a mulher que amava?
Não
sabe quanto tempo ficaram os dois naquele lugar, imóveis e em silêncio. Apenas
se recorda de ter sido puxado daquele transe pelo bafo quente, de Cormac, na
sua mão. E viajou em pensamento até ao dia em que ele e Eilir o resgataram.
Cormac
nascera no Beltane do ano anterior, o mais pequeno da ninhada e no entanto o
único sobrevivente. Fora o sétimo cachorro que nascera da ninhada de uma cadela
de caça muito famosa e premiada. A cadela morreu no parto, os cachorrinhos não
teriam quem os alimentasse e o dono, apesar de muito desgostoso com a sua perda
acreditou que a única coisa a fazer era acabar com a ninhada para que não
sofressem com a fome. Eilir e Arthan presenciaram todo o discurso de Atron, o
dono dos cachorros. Eilir aproveitou o momento em que Atron se ausentou
para ir buscar a sua arma e correu a agarrar um dos cachorrinhos. Pegou no
último que nascera, no mais pequenino. Arthan lembra-se de quase se ter zangado
com ela por se ter intrometido e ainda por cima por ter escolhido o cachorro
mais pequeno e com menos probabilidade de sobreviver.
-
Vais acabar por sofrer, vais prender-te ao cachorro e quando ele morrer de fome
não venhas chorar no meu ombro.
A
verdade é que os dois ficaram presos ao pequeno cachorro que chupava com uma
força enorme no pequeno pano embebido com leite que Eilir lhe dava. Cormac
crescera depressa, em apenas um ano era tão grande que quando se colocava nas
patas traseiras conseguia atingir os ombros de Arthan, que com 16 anos possui-a
já um robusto e bem constituído corpo de adulto.
Com
a recordação da força que o seu amigo canino teve para sobreviver inculcada no
seu espírito Arthan levantou-se. Não foi preciso voltar a chamar Cormac, o
cachorro fielmente seguiu o seu dono que não imaginava que se encontrava a ser
observado.